Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Abril de 2024

Para além das grades

Aspectos Intervencionistas da Execução Penal no Sistema Penitenciário Federal.

Publicado por Cgap Dispf
há 7 anos

Diante de fatos recentes envolvendo barbáries dentro de unidades penitenciárias, reacendeu por parte da sociedade a necessidade de explicar o comportamento dos custodiados e de enfatizar as possíveis omissões por parte das autoridades constituídas, em todas as esferas administrativas, a fim de evitar que novos eventos venham a ocorrer.

Perdura no consciente coletivo que as penitenciárias são locais sem lei onde pessoas são jogadas “à própria sorte” e esquecidas por governos interessados em manter uma aparente sensação de segurança e respostas às ofensas às leis penais.

Corroborado pela descrença das instituições brasileiras, a maioria da sociedade desconhece o lado assistencial do sistema penitenciário.

O presente ensaio tem por finalidade demonstrar que, a despeito do pensamento coletivo que as instituições públicas brasileiras estão falidas e de que as repartições de custódia são meros depósitos de humanos bestiais; há pessoas inconformadas que arriscam a vida para mudar um retrato que ninguém quer ver, nem esperam por melhoras.

É o caso de servidores que elaboram e executam as experiências-piloto dentro das unidades penitenciárias federais, subsidiariamente às atribuições funcionais. Entre elas, são desenvolvidas atividades educacionais, comportamentais, pesquisas e propostas de alteração legislativa. Todas estas atividades com resultado positivo para os custodiados, os servidores e a sociedade.

Dentre as atividades educacionais, destaca-se os projetos “Remição pela Leitura”, “De Olho no Futuro” e “Cine Documentário”.

Em execução desde 2009, o Projeto “Remição Pela Leitura” iniciou como uma experiência cujo fim era fomentar a leitura entre as pessoas privadas de liberdade no sistema penitenciário federal. O método adotado consiste em fornecer um livro ao custodiado para leitura em 30 dias e, após o período, eles elaborarem um resumo, que é avaliado por uma comissão específica de servidores com orientação de um pedagogo.

Em 2011, alterou-se a Lei de Execucoes Penais para permitir a remição da pena por meio do estudo. Tal evento modificou a forma de avaliação dos textos, passando-se a verificar a qualidade textual e a incidência de plágios. Com o advento da Portaria Conjunta do Depen-CJF nº 276/2012, as análises das avaliações passaram a considerar os critérios: estéticos, de limitação ao tema e de fidedignidade. Os textos que respeitam estes critérios recebem 4 dias de remição de pena, e há uma limitação de 12 livros por ano, equivale a 48 dias de remição por ano.

Os resultados positivos demonstraram que a experiência foi um sucesso, e não demorou para repercutir dentro e fora do país. Em 2012, o estado do Paraná sancionou a Lei estadual nº 17.329/2012, instituindo a “Remição pela Leitura” em seus estabelecimentos de custódia.

Desde sua instituição até 2014, no Sistema Penitenciário Federal participaram do projeto 4.128 custodiados federais, produziram 3.469 resenhas, das quais 3.117 foram aprovadas.

O Projeto “De Olho no Futuro”, também representa um importante passo rumo ao exercício pleno do direito à educação nas prisões. Esta ação educacional visa auxiliar na preparação das pessoas privadas de liberdade para o processo avaliativo do ENEM-PPL, na Penitenciária Federal de Mossoró. Ela decorre da parceria interministerial entre o Ministério da Educação (MEC) e o da Justiça e Cidadania (MJC), visando incorporar programas educacionais que eram restritos apenas aos entes federativos, como o ENEM, o Pronatec, o ENCCEJA, o SISU e outros.

Em 2015, os setores de reabilitação de todas as Unidades Federais conseguiram a adesão de 51,9% da população total de presos federais para a realização do processo avaliativo do ENEM PPL. Ao analisar este dado e considerando que apenas 9,38% dos internos estão aptos a ingressarem em faculdades (concluintes do ensino médio) e 70,01% estão aptos a concluir o ensino médio; pode-se deduzir que quase a totalidade dos internos participaram do ENEM-PPL. Qualitativamente, verificou-se que alguns participantes obtiveram notas superiores a 800 pontos, nas provas de redação.

Em 2016, a Penitenciária Federal de Mossoró possuía 54 custodiados com possibilidade de realizar o ENEM, destes 7 se recusaram participar do projeto, 1 não possuía a documentação necessária para a inscrição e 3 se recusaram a realizar a prova mesmo tendo participado da preparação durante todo ano. Assim, 43 participantes realizaram a prova (índice de 79,62%).

Com o resultado do exame, foi possível observar as notas foram superiores à média nacional em quase todos os eixos (exceto o de “linguagens e códigos”), verificou-se também um aumento na pontuação da prova de redação, cuja nota máxima foi de 860 pontos.

Para Alm das Grades

Tais resultados permitem a conclusão de que projetos como “De Olho no Futuro” possibilitará a aquisição de conhecimento e ampliará a perspectiva de futuros das pessoas privadas de liberdade, permitindo que possam escolher um novo caminho a ser trilhado.

Outra experiência educacional desenvolvida é o “Cine Documentário”, que nasceu na Divisão de Reabilitação (DIREB) da Penitenciária Federal de Porto Velho, a quem compete promover atividades que contribuem para a ressocialização do interno, por meio da construção do senso crítico através de atividades de resgate de vínculos familiares, socioeducativos e culturais.

A atividade visa unir uma regalia (oferecimento mensal de filmes culturais para os presos que não estão em cumprimento de sanções disciplinares, nos termos da Portaria 147/2012)à prática educativa, através da exibição de documentários, e, em seguida, a confecção de uma resenha crítica sobre o tema. Posteriormente, os textos são encaminhados e avaliados pela DIREB.

Almeja-se que o participante repense sobre as conseqüências de seus atos e resgate os valores sociais positivos, conseqüentemente, sejam formados valores e atitudes construtivas. Portanto, as avaliações levam em consideração: (a) os aspectos formadores do processo crítico, (b) a reflexão sobre o conteúdo apresentado e (c) a formação de valores éticos e civilizatórios.

Estuda-se a possibilidade de elaborar uma Portaria que permita a utilização dos textos para a remição da pena. Mesmo que não venha a ser concretizado, o projeto foi lançado com a perspectiva de se construir um processo educacional que permita a (res) socialização e a aplicação prática do conhecimento formal aliada a formação ética e política dos participantes.

Os servidores das unidades também realizam atividades e pesquisas comportamentais, como o projeto “Colorindo o Tempo” e a pesquisa sobre a “Prevalência de ‘Lesões cervicais não cariosas’ (LCNCs) em internos custodiados na Penitenciária Federal em Porto Velho e sua relação com fatores etiológicos influenciados pelo aprisionamento”.

O Projeto “Colorindo o Tempo” é outra iniciativa da Divisão de Reabilitação (DIREB) da Penitenciária Federal de Porto Velho, com o apoio da Justiça Federal da 1ª Região, e objetiva a promoção da expressão dos presos federais por meio da arte e a redução das conseqüências do processo de institucionalização.

Embora controverso, este projeto utiliza conceitos da neuropsicologia para promover o relaxamento, estabilizar o humor e reduzir a ansiedade. A idéia é reduzir o hormônio chamado adrenalina para aumentar o neurotransmissor chamado dopamina ligado sistema de recompensas do sistema nervoso central e que é responsável pelas emoções.

A grande vantagem deste tipo de atividade é por ser um exercício individual que pode ser realizado na cela, sem supervisão, no período escolhido pelo participante e sem interferir nas medidas de segurança.

A proposta inicial é a persecução dos seguintes procedimentos: (1º) aquisição de livros ilustrados, lápis de cor (ideal 12 cores), apontador e borracha; (2º) instrução os responsáveis pela entrega dos materiais e controle das atividades, sobre a importância da ação, o período predeterminado pela equipe da DIREB e sobre o recolhimento do material e encaminhamento a DIREB; (3º) realização de uma oficina inicial com terapeuta ocupacional, psicólogos e agentes do sistema, para instruir os internos sobre os benefícios da atividade de colorir; (4º) avaliação integrada e contínua do projeto, através de reuniões semestrais que resultará em relatórios periódicos, visando avaliar e melhorar todos os procedimentos do projeto e seus resultados qualitativo e quantitativo; (5º) prestação de contas dos custos financeiros e a comprovação das aquisições dos materiais, enviando-os mensalmente à Justiça Federal (TRF1), e o armazenamento das notas fiscais originais na DIREB, para posterior comprovação, se necessário.

Por ser uma atividade inédita e por ter iniciado há pouco tempo, é precipitado tirar conclusões, mas o que se espera a longo prazo é a redução das intervenções medicamentosas e as conseqüentes escoltas médicas, gerando uma melhora emocional para os participantes e uma economia de recursos públicos, sem impacto para a segurança.

A execução da pesquisa sobre a Prevalência de ‘Lesões cervicais não cariosas’ (LCNCs) em internos custodiados na Penitenciária Federal em Porto Velho e sua relação com fatores etiológicos influenciados pelo aprisionamento” é outro exemplo de referência dentro do Plano Nacional de Saúde e de preocupação em prestar a devida assistência ao preso dentro dos presídios federais.

Após verificar a uma elevada quantidade de requerimentos para atendimento odontológico, com queixas de dor e hipersensibilidade entre os custodiados federais, iniciou-se o estudo sobre a prevalência de LCNCs e a relação do ambiente prisional como potencializador dos fatores etiológicos.

As LCNCs são lesões decorrentes da perda de tecido mineralizado na região cervical da coroa dentária e superfície radicular subjacente por meio de um processo não relacionado à cárie. Elas constituem o grupo de lesões de maior complexidade na clínica odontológica, especialmente no que se refere à identificação do agente etiológico, uma vez que sua etiologia é variada e multifatorial envolvendo dieta alimentar, manifestações psicológicas, hábitos de escovação, hábitos parafuncionais e distúrbios gástricos. E estão inter-relacionadas ao quadro de hipersensibilidade dentinária, causando dor e desconforto ao portador.

O caminho metodológico do estudo iniciou com uma pesquisa aplicada de natureza quantitativa, descritiva, bibliográfica e documental. A coleta de dados abrangeu uma amostra de 70 internos que estiveram custodiados nesta penitenciária no período de outubro de 2015 a março de 2016.

O estudo apontou uma prevalência alta (72,8%) de LCNC associada ao estado psicológico dos internos custodiados na PFPV, à presença de hábitos parafuncionais, aos distúrbios de natureza gástrica e à escovação inadequada.

Em decorrência desta pesquisa, atualmente estuda-se a elaboração de uma cartilha para incentivar a correta escovação e a importância da dieta alimentar como meio preventivo, bem como minimizar os hábitos parafuncionais. Também a utilização de materiais odontológicos mais eficazes nas restaurações e na dessensibilização dentinária ocasionadas por essas lesões, resultando na melhoria da qualidade de vida dos internos do SPF. Em longo prazo, espera-se a redução de atendimentos odontológicos e dos custos correlacionados.

Para se entender a tentativa de formalizar um novo Instrumento de Classificação e Individualização da Pena do Sistema Penitenciário Federal, é preciso saber que sua finalidade é orientar a individualização da execução penal por meio da analise dos antecedentes e personalidade, conforme previsão do artigo da Lei de Execucoes Penais. Tal avaliação é de responsabilidade das Comissões Técnicas de Classificação, constituídas por profissionais de vários setores.

Atualmente, para execução dos trabalhos, a comissão técnica de classificação das Penitenciárias Federais utiliza instrumentos específicos de cada profissional envolvido - entrevistas, exames, diagnósticos, visitas institucionais - e, após a análise, os dados são compilados em abas individualizadas localizadas em sistemas integrados denominado SIAPEN, entretanto, a gestão isolada dos dados nesse tipo específico de metodologia impedem a maior interação entre os setores de trabalho.

Aspirando a análise interdisciplinar condizente com o perfil dos presos federais, idealizou-se a construção de um novo instrumento de classificação e individualização de pena que permita o inter-relacionamento dos dados multissetoriais.

A forma e metodologia utilizada foram baseadas em instrumento já existente no Estado de Rondônia. No documento original, o objetivo é realocar o interno para penitenciárias específicas dentro do estado, como as de segurança média ou mínima, além de inserir o preso em atividades de trabalho manual.

Verifica-se a imprescindibilidade da construção de um instrumento que permita traçar um panorama da realidade das unidades e corroborar com a fiel execução dos preceitos da Lei de Execução Penal. Este novo instrumento reúne as características necessárias a produzir um espaço de discussões democráticas, em torno de critérios objetivos e subjetivos, que permita o pleno exercício do princípio da individualização da pena e das assistências previstas na Lei de Execucoes Penais.

Tais experiências foram apresentadas e debatidas diante dos Diretores e servidores responsáveis pelos setores de segurança, da reabilitação, da saúde e da educação de todas as Unidades Penitenciárias Federais, no final de 2016, no 1º Encontro Temático das Assistências no Sistema Penitenciário Federal, realizado pela Coordenação Geral de Assistência Penitenciária (CGAP) da Diretoria do Sistema Penitenciário Federal (DISPF) do Depen, que contou ainda com a presença dos gestores nacionais responsáveis pelo planejamento e execução de políticas assistenciais, ligados ao Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e do INEP.

Neste evento, permitiu-se o compartilhamento de experiências exitosas nas áreas da educação, da saúde e do serviço social de pessoas privadas de liberdade; além de ter iniciado a construção de um Plano de Ação integrado visando o aprimoramento dos procedimentos operacionais.

Percebe-se que o jovem Sistema Penitenciário Federal mesmo sendo, na prática, um regime excepcional de cumprimento de pena, vem amadurecendo e rendendo bons frutos à sociedade brasileira no combate ao crime organizado; sem olvidar a primazia do respeito aos direitos humanos fundamentais, como ferramenta para a proteção da integridade física e moral, da dignidade da pessoa humana. A medida em que se aprimora, o Depen desconstitui o paradigma de que é possível tratar com dignidade um condenado e, concomitantemente, proteger a sociedade.


O texto acima foi escrito com base nos artigos apresentados no 1º Encontro Temático das Assistências no SPF, pelos servidores: Alcione Batista Leite, Amusa Gabrielle Felisberto de Mélo e Silva, Anna Carolina Bedeshi de Abreu, Cristiano Tavares Torquato, Jocemara Rodrigues da Silva, Jussara Pereira de Oliveira e Zildimeiry Cristine Vieira Pedrosa.

Os textos originais estarão disponíveis, em breve, no compêndio do evento.

  • Sobre o autorCoordenação Geral de Assistências Penitenciárias
  • Publicações1
  • Seguidores0
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações125
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/para-alem-das-grades/432322280

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)